sábado, 4 de junho de 2016

O ENFERMEIRO VALENTÃO




   Edson sensibilizou o então Presidente Getúlio Vargas, em carta dramática falando dos horrores que ele passava, como amazonense perdido na grande cidade do Rio de Janeiro, diante de seu precário estado de saúde e da falta de dinheiro.  Foi  assim que conseguiu ser internado no Sanatório Oswaldo Cruz, vencendo a fila dos discriminados pelo IAPC , que dava preferência aos residentes no Rio.  O SOC era um Sanatório de referência , seja pela especializada equipe médica, como pela boa estrutura hospitalar situada em local tido como ideal para  tratamento de tuberculose, graças ao saudável clima,  frio e seco,  de Correas, distrito de Petrópolis.     Em viagem de  férias, de Manaus ao Rio, fui visita-lo.  Mal cheguei ao  pátio do hospital, repleto de pacientes e visitantes,  o Edson me apresentou ao médico que  o assistia. Este, prontamente interrompeu sua saída,   convidando-me para ir ao seu consultório, no interior do Hospital.  Em seguida,  colocou um RX naquele aparelho de visualização e me disse: -- olhe bem para o estado desses pulmões.   Ao perceber que eu nada distinguia, foi mostrando,  com a ponta de uma caneta,   os inúmeros pontinhos claros  por toda a área pulmonar, esquerda e direita,  e disse-me: -- está vendo?  Verdadeira peneira!  Com essa gravidade seu irmão foi aqui internado.  Agora, acrescentou, vou lhe mostrar  um caso inédito. Observe  este outro RX. O pulmão direito, comentava: nenhum pontinho claro e o esquerdo com apenas um nódulo , que está me desafiando.  Pois é, acrescentou, essa cura parcial,  quase milagrosa, e em   tempo recorde, é do seu irmão.  Só tenho uma explicação,  o humor dele, pois os demais pacientes  se recuperam lentamente,  tem gente internado aqui há mais de um ano, recebendo o mesmo tratamento de repouso rigoroso, higiene, forte alimentação  e remédios adequados.  Tenho pressa em sair, continuou,  mas foi bom conhecê-lo, pois quero  lhe pedir um grande favor:  Convença seu irmão a moderar  suas atividades aqui dentro. É muito bom  que ele tenha transformado, em pouco tempo,  o sóbrio e até triste ambiente deste Sanatório, para um convívio de muita alegria. Mas só ele se prejudica  porque trabalha muito nas articulações e lideranças, não cumprindo as rigorosas horas de repouso. Ele já  realizou festa junina, está planejando a de Natal, já  fez  teatro tendo os pacientes como atores e promoveu sessões de  cinema,  sempre cercado por um enorme fã clube, de pessoas que se deliciam com suas  incríveis histórias.  Receio até que esteja namorando, o que é proibido aqui tanto quanto o jogo de bicho que ele passou a coletar entre os amigos.    Ele é envolvente, ganha a simpatia de todos, de pacientes, pessoal de apoio, corpo médico e de enfermagem.   Para finalizar,  espero contar  com a sua ajuda: peça a seu irmão para ter juízo e reduza suas extravagâncias, agradáveis para todos menos pra ele,  que precisa vencer esse ponto  resistente, talvez pelo  falta do repouso, repito,  que ele sempre consegue burlar.  Ao nos despedirmos, prometi colaborar.  De volta ao pátio, eu vi realmente  a alegria  do Edson rodeado e    procurado  por inúmeros pacientes ou  visitantes, como se fossem  amigos de longa data.   Mal conseguíamos conversar.   Em dado momento,  ele apanhou do chão um enorme  besouro, com  cerca de 10 cm.    Arranjou uma caixinha,  guardando-o cuidadosamente. Disfarçou como  que escondendo até de mim.  Soube mais tarde que,  por volta de meia noite, no silêncio do hospital, Edson  tocou a campainha chamando os enfermeiros,  que sempre vinham em dupla, um  baixinho  e  um negro muito alto e forte que se gabava de não ter medo de nada.   Em seguida, o silêncio do hospital foi interrompido com o barulho da correria dos dois enfermeiros, descendo as escadas aos trambolhões,  retornando  ao posto de atendimento.  O valentão, pálido e trêmulo, sentado em uma cadeira e com olhos esbugalhados,  pedia água e  mal conseguia explicar  aos outros companheiros o que  aconteceu.   O outro enfermeiro, o pequeno paraíba, que não negava ser medroso,  correra sem saber de nada, simplesmente solidário ao medo do valente companheiro.  Aos poucos veio a explicação.   É que ele se defrontou com uma luz  que vinha  lentamente em sua direção, andando  pelo chão do imenso e escuro corredor e que continuava lá.  Um funcionário valeu-se  de uma lanterna e conseguiu desvendar a misteriosa assombração.    Um enorme besouro caminhava lentamente  transportando um pedaço de vela acesa,  pregada   em suas costas.   

Um comentário:

  1. Um presente divino ler essas memórias! Sou neta de Erotides Rebello Vital - Vital Anunciação, depois de casada, filha de Carminha (Maria do Carmo), e começo a acreditar que minhas pesquisas para chegar até aqui não foram "obra do acaso" ... graças a Deus! Gratidão por me dar um pouco do espírito de nossa família...

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